CUIDADO COM A PROPAGANDA ENGANOSA
Virgílio de Mattos
A gente pode sofrer, mas não pode nunca deixar de prestar atenção. Em toda e qualquer situação, até mesmo no campo fértil e lamacento das metáforas, se você não presta atenção pode se dar muito mal. Às vezes isso é irreversível.
Distraídos só são protegidos na canção, ou, quando muito, na literatura.
O Congresso Nacional, lugar onde havia sido detectada a presença de “300 picaretas” (você se lembra?), apresenta mais uma inacreditável “novidade” que vai deixar você com mais raiva ainda, leitor já suficientemente irritado com o Congresso e outros ajuntamentos de âmbito estadual e municipal. Inventaram uma solução pra tudo de ruim que existe no país e a solução é, obviamente, uma só: mais lei penal.
Original, não é verdade?
Há um projeto de lei (PL 3701/11) de um deputado do Mato Grosso do Sul, do baixíssimo clero - omito o nome para não dar-lhe os segundos de fama que pretende atingir com uma bobagem dessas -, querendo punir com detenção de 1 a 4 anos, mais multa, aos flanelinhas e limpadores de para-brisas existentes nos grandes centros urbanos. Obviamente que na interiorana e hipotética cidade de São João de Deus Me Livre, do interior do Piauí, esse “grave problema” dos flanelinhas não existe.
Convenhamos: é uma “novidade” velha. O próprio autor do projeto sustenta que um outro, em igual sentido, já estava ‘sepultado’ na legislatura anterior, com mesmo vetor de raciocínio e eu raciocino se não foi reeleito o seu anterior autor exatamente por apresentar projetos desse nível... Mas acredito que não se possa brincar com coisa séria.
A questão passa leitor atento, pela velha luta de classes aqui representada entre aqueles que têm carro e os que não têm nada, exceto a possibilidade de um ganho lícito – que a vingar a ideia do pouco atarefado e criativo deputado, breve se tornaria ilícito – quando podem “dar uma olhada” ou mesmo limpar o para-brisa nos sinais de trânsito, ganhando com isso “uma moedinha”, como a maioria deles pede em tom de súplica e não de ameaça.
Nenhuma originalidade na proposta de “sua excelência”. Imbecis outros, de variadas idades e tendências políticas, já se manifestaram contra o “grande problema” do país, que não é a sociedade dividida em classes e sufocada no sufocante desnível daqueles que têm o lucro como meta e norma em desfavor das imensas multidões de sem nada.
Pela tramitação regular o projeto de lei ainda será examinado pela pomposa “Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado”, obviamente que pode acontecer dos flanelinhas quererem fundar no Brasil um sindicato e daí para fazer desse enorme ajuntamento uma “república sindicalista” é um pulo, não é verdade? Não duvido que será incensado e aplaudido naquela comissão, afinal quando a questão é criminalizar condutas, pouca ou nenhuma diferença vejo nos governos que se sucederam após a ditadura militar, mesmo aqueles encabeçados pelo PT, o que é de se lamentar. Seguindo, tocando o barco enquanto o mar das criminalizações anda tão calmo, teremos o exame pela comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania. E você duvida também da aprovação, leitor crédulo?
Duas grandes tolices outras aparecem na justificação do projeto, a primeira é que a “lucratividade desta informal ocupação tende a atrair mais e mais crianças, adolescentes e jovens para as ruas”.
Mas não seria mais crível e sensato desenvolvermos outros programas de inclusão que não passassem pela resposta monotemática da contenção penal?
A segunda é a utilização do verdadeiro “estelionato teórico” que é a teoria das janelas quebradas, revista até mesmo pelos seus próprios – e suspeitíssimos – autores, o deputado sustenta que aquele fracassado amontoado de sandices seria “uma estratégia de êxito para prevenir os delitos, segundo os autores do estudo, é resolver os problemas quando eles são pequenos”.
É mais do que claro que questões sociais não podem ser resolvidas pelo direito penal. Por que a insistência?
Tenha cuidado com a propaganda enganosa, enquanto não temos a oportunidade de “revogarmos” legisladores desse naipe.
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