quarta-feira, 21 de setembro de 2011

DANDARA - Proteção de Histórica Crença

Dandara
Miguel Lanzellotti Baldez

Conheci Dandara e enriqueci minha vida no pouco tempo de convívio com aquela gente que se constrói como se estivesse criando um novo mundo. Foi a minha primeira reflexão, ao me deparar logo à entrada da comunidade com o mapa, ou planta da área mostrando em seu traçado a presença técnica de arquiteto ou engenheiro, em suma alguém que compreendera o sentido da cultura e da solidariedade e percebera que o seu conhecimento era fruto da expropriação histórica da classe trabalhadora destinada a abastecer, desde a revolução burguesa, os fundos do capital, e o devolvera em Dandara.

Importante assinalar, no campo das minhas reflexões, a divisão dos homens na chamada modernidade entre o homem inspirado no modelo da burguesia, titular absoluto de todos os direitos, e consagrado nas leis civis do ocidente, e o homem cuja subjetividade, seu reconhecimento como pessoa, fora limitado à necessidade de levar ao mercado a única mercadoria que lhe deixaram, sua força de trabalho. Pois este homem, em luta permanente pela vida em permanentes confrontos nas fábricas, conquistando duramente seus escassos e limitados direitos, banido e degradado pelo capital, só vai reencontrar-se consigo mesmo quando, escapando do encapsulamento jurídico em que o meteram e individualizaram, se descobre no outro... e no outro... E vai assim, de companheiro a companheiro, identificando-se em cada um dos seus iguais até despontar no coletivo.

Este o homem e esta a mulher que encontrei em Dandara, proteção de histórica crença e nome da avenida central da nova vila. Mas não só vila. Cidade, estado, um dos muitos anúncios ou promessas felizmente espalhados Brasil afora, e prova de que uma outra sociedade é possível. Que nasça da solidariedade e que, por isso, certamente construirá uma nova igualdade. Concreta, econômica e social, e não apenas uma igualdade perante a lei, que, embora impositiva, é só uma abstração...

Em Dandara também encontrei uma outra igreja. Atuante, de mangas arregaçadas e inspirada no caráter democrático do Concilio Vaticano II e na Teologia da Libertação, sempre do lado dos moradores e mostrando que a construção da própria vida, abrindo ruas e levantando as casas da coletividade, pode ser a reza que leva a Deus. A religião deixando de ser, como disse Marx, “o suspiro da criatura oprimida” para tranformar-se na alma da nova criatura, como entre outros, essa brava gente de Dandara, forte mas ainda ameaçada em suas necessidades fundamentais.

E quais são essas necessidade fundamentais? Sem dúvida, alimentar-se e morar.

A inspiração em Dandara é profícua, principalmente quando o grande inimigo vem de fora. Como em Palmares, aquela federação de quilombos, onde a altivez do negro construiu um forte estado de resistência à violência do branco, hoje, aqui, os moradores deste renovado quilombo, hão de convocar e reunir para a resistência os resíduos democráticos construídos no tempo histórico deste Brasil ainda sofridamente Pindorama, mas dando sinais de uma vida transformada, como diz o poeta, “em festa trabalho e pão”.

Está aí, como exemplo maior, o MST – Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, importante sujeito coletivo cuja luta efetiva o torna parceiro e companheiro de Dandara, e outros tantos movimentos libertários emergentes dentro ou fora do Brasil. Estão aí, na luta pela terra, como o MNLP e o Conselho Popular no Rio, estão aí importantes setores universitários onde alguns professores, não muitos é verdade, já sentiram nos enfrentamentos de classe a emergência de um novo direito, concreto e emancipatório das camadas subalternas da sociedade.

Resta uma pequena mas definitiva observação em torno do direito burguês, esse direito de acolhida e consolidação no Brasil pela classe que, entre nós, detem o poder graças ao mecanismo da representação. Assim, o trabalhador trabalha, o capitalista lucra e amplia o seu capital e os políticos, através do Estado, administram os interesses do capital, mantendo o trabalhador, através do controle salarial, submisso ao capitalista.

Vale pensarmos juntos na alimentação e na moradia, são duas necessidades de vida, necessidades éticas. Pois o direito, ao apropriar-se delas, transforma-as em mercadorias. Sob o controle deste direito, a satisfação tanto de uma quanto de outra destas necessidades essenciais exige um pagamento, o preço imposto pelo capital.

O meu voto aos companheiros de Dandara: resistam companheiros, organizando-se politicamente, resistam para manter a terra que ocupam e onde construíram em democrático projeto de cidade, solidária e igualitária.

quarta-feira, 14 de setembro de 2011

O Direito Fundamental à Alimentação

O direito fundamental à alimentação foi expressamente incluído no texto constitucional como direito social, art. 6°, em fevereiro de 2010, com a edição da EC/ 64. Contudo, esse direito já tinha o caráter de norma supralegal em vista do art. 11, item 2, do Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, integrado à ordem interna por meio do Decreto n° 591/92 e em vista do art. 12 do Protocolo de São Salvador, Decreto nº 3.321/99. Entendemos, todavia, que a previsão constitucional expressa do direito à alimentação acrescenta nos aspectos educativos e conscientizador em vista de a nossa cultura jurídica ter se pautado por certo desprezo ao Direito Internacional.

Relevante destacar que em 2006 já havia sido promulgada a Lei 11.346 que criou o SISAN - Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional. Essa Lei, em 13 artigos, definiu a composição do SISAN por meio de um conjunto de órgãos e entes da federação e de instituições privadas afetas à segurança alimentar e nutricional e que demonstrem interesse em integrar esse colegiado nos termos da legislação aplicável.

Por meio dessa lei estabeleceu o legislador as definições, os princípios, as diretrizes e os objetivos para a implementação da política que tem em vista assegurar o direito humano à alimentação adequada, conceito esse tratado no art. 2° que considerou adequada a alimentação que atende aos requisitos da dignidade da pessoa humana, ou seja, aquela indispensável à realização dos direitos consagrados na Constituição Federal. Por isso, deve o poder público adotar as políticas e as ações necessárias para promover e garantir a segurança alimentar e nutricional da população.

No momento em que descobrimos ser o Brasil o maior consumidor mundial de agrotóxicos e dos abusos no cultivo de alimentos geneticamente modificados sem a prévia autorização estatal é bom para a nossa saúde conhecer o que diz a Lei 11.346/06, fortalecida agora pelo que dispõe o Art. 6º da Constituição acerca do direito à alimentação. É preciso também participar. O CONSEA – Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (CONSEA) – é um importante instrumento de articulação entre governo e sociedade civil na proposição de diretrizes para as ações na área da alimentação e nutrição. Instalado no dia 30 de janeiro de 2003, o Conselho tem caráter consultivo e assessora o Presidente da República na formulação de políticas e na definição de orientações para que o país garanta o direito humano à alimentação.

Precisamos compreender que a segurança alimentar e nutricional consiste na realização do direito de todos ao acesso regular e permanente a alimentos de qualidade, em quantidade suficiente, sem comprometer o acesso a outras necessidades essenciais, tendo como base práticas alimentares promotoras da saúde que respeitem a diversidade cultural e que sejam ambiental, cultural, econômica e socialmente sustentáveis, art. 3º. Para isso, a segurança alimentar e nutricional abrange, segundo o art. 4º, a ampliação das condições de acesso aos alimentos por meio da produção, em especial da agricultura tradicional e familiar, do processamento, da industrialização, da comercialização, incluindo-se os acordos internacionais, do abastecimento e da distribuição dos alimentos, incluindo a água, bem como da geração de emprego e da redistribuição de renda; a conservação da biodiversidade e utilização sustentável dos recursos; a promoção da saúde, da nutrição e da alimentação da população, incluindo-se grupos populacionais específicos e populações em situação de vulnerabilidade social; a garantia da qualidade biológica, sanitária, nutricional e tecnológica dos alimentos, bem como seu aproveitamento, estimulando práticas alimentares e estilos de vida saudáveis que respeitem a diversidade étnica, racial e cultural da população; a produção de conhecimento e o acesso à informação; e a implementação de políticas públicas e estratégias sustentáveis e participativas de produção, comercialização e consumo de alimentos, respeitando- se as múltiplas características culturais do País.